12 de fev. de 2012

Impulso – liberte-o ou escravize-se

Há alguns dias ouvi uma mãe relatar com orgulho como o filho de dois anos de idade havia exteriorizado, de forma simbólica, sua vontade de “eliminar” a irmã recém-nascida, afogando uma boneca na banheira, repetidas vezes, va-ga-ro-sa-men-te... Paradoxal?! Definitivamente, não.


Impulsos negativos ou positivos influenciam nossas atitudes muito mais do que podemos imaginar e desde muito cedo aprendemos a reforçar os bons sentimentos e negar os maus que podem desencadear tais impulsos. Dentro do processo normal de desenvolvimento infantil, a criança vai percebendo que se não frear sentimentos e comportamentos menos nobres corre o risco de não ser aceita e pode interpretar a não aceitação como ausência de amor.

De tanto ouvir: “Raiva não é legal!” ,” Você tem que amar seu irmão!”, “Se você não for bonzinho, papai e mamãe ficarão muito tristes com você!”, “Homem não chora!”etc, a criança passa a reprimir tais sentimentos, criando normas de boa conduta na tentativa de formar uma imagem baseada em sentimentos aceitáveis (ao que chamamos de ego idealizado), “garantindo”, dessa forma, o amor das pessoas. Quanto maior o medo da rejeição, maior a norma, maior o ego idealizado, mais impulsos censurados e enjaulados no inconsciente. Assim se origina a culpa. Não sabemos de onde ela vem, gera um incômodo grande e não conseguimos nos perdoar, pois não sabemos o erro cometido. Diferentemente do arrependimento, cujo  motivo é consciente. Ele surge a partir do conflito entre impulso e escolha (ter ou não prazer).

Abstraindo os exemplos gastronômicos de Paulo Gaudencio, tomemos a experiência do cigarro. Uma pessoa está tentando se livrar do fumo, mas está com muita vontade de fumar; o conflito já está instaurado. Se ela fuma, sente um prazer momentâneo e um arrependimento duradouro, mas se não fuma, não cede ao impulso, sente um arrependimento rápido e uma grande compensação. Ou seja, se fuma tem prazer e arrependimento, se não fuma, arrependimento e prazer. Do cigarro ao consumo de doces quando se está em dieta e ao flerte com a melhor amiga da namorada é o mesmo caminho. Nada evitará esse dilema, pois faz parte da dinâmica da vida. Mas, ao mesmo tempo, o que é consciente é mais fácil de lidar: trata-se de avaliar a compensação; pura matemática!

A parte mais difícil começa aqui. Lembremos do caso do menininho que afogou a boneca. Caso sua mãe, percebendo que no íntimo da criança o desejo verdadeiro era o de “exterminar” a irmãzinha – sim! afinal, ela veio dividir a atenção dos pais, fazendo com que o garoto sinta raiva, ciúme e medo –,  o corrigisse inadequadamente, ele reprimiria seus sentimentos, guardando-os em um lugar escuro e bem escondido do seu inconsciente. Suponhamos que, anos mais tarde, a irmã descobre ser vítima de uma doença grave. Provavelmente, o garoto sentirá uma culpa enorme, sem causa consciente, mas perfeitamente explicável, pois, finalmente “conseguiu atingir” a irmã. Se fosse um conflito consciente, ele não teria do que se arrepender.


Nesse caso, a mãe tem motivos de sobra para se orgulhar. Viu seu primogênito administrando seus impulsos destrutivos e não o reprimiu, continuou atenta aos sinais do filho, acompanhando-o dentro do seu processo de adaptação ao novo membro da família. A consequência desse ato é uma criança vivendo seu impulso de forma sadia, sem a necessidade de parecer bonzinho para ser aceito. É natural sentir raiva, ciúme e medo diante de tal situação, mas normalmente o que aprendemos é que não é possível amar e sentir raiva de uma pessoa ao mesmo tempo. O que não é possível e aceitável, na verdade, é afogar a irmã. Sentir qualquer um desses impulsos é perfeitamente viável.

Além do ego idealizado e dos impulsos, ainda possuímos, como instância psíquica, o superego, que é o conjunto do ego idealizado e da censura dos impulsos que não correspondem a ele. É um conjunto de valores, um código de ética e que normalmente vem contrapor-se aos impulsos, cuja existência é necessária. Sem ele, o ser humano se torna um animal, sem limites, capaz de cometer as piores atrocidades (até afogar a irmã). Na infância, nossos pais desempenham esse papel nos auxiliando na criação das normas.

Ainda segundo Gaudencio, no processo terapêutico, o superego é revisto, flexibilizado. A isso podemos acrescer que os impulsos reprimidos são reconhecidos como parte integrante do indivíduo e o ego abre espaço para os sentimentos renegados, agradando ou não as outras pessoas. Novo sentido é dado ao impulso, reestruturando uma verdade estabelecida anteriormente e que parecia ser a única. Impulsos bons ou maus fazem parte do ser humano. Reprimir os impulsos negativos é como não liberar a água de uma represa esporadicamente. Se permitirmos que o excesso de água flua, a represa continuará exercendo sua função, mas sob controle.

Suporte bibliográfico:
Minhas razões, tuas razões – Paulo Gaudencio / 1994.


Psicóloga: Ana Virgínia de Almeida Queiroz / CRP: 01-7250


Sugestão de filme:
O Cisne Negro




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