2 de fev. de 2012

Verdades sobre a mentira

“... a mentira é uma afirmação feita com a intenção de dizer algo falso.” Santo Agostinho

Trago ao exame dos leitores algumas reflexões sobre um tema recorrente em nosso cotidiano, colhidas em recente incursão na obra da psicoterapeuta alemã Irmtraud Tarr, que nos convidam a uma avaliação a respeito da dicotômica relação entre mentira e verdade, situando ambas nas fronteiras da percepção.

A mentira é um comportamento aprendido durante o desenvolvimento da personalidade e reforçado a partir da obtenção de vantagens quando se faz uso dela. Não acontece sem motivos, causas e intenções. Quando crianças, somos motivados pelo medo, por insegurança, porque queremos ser melhores  do que um coleguinha. Na vida adulta, as razões não são muito diferentes. O medo de enfrentar situações para as quais não estamos preparados faz com que mintamos como uma forma de autopreservação.

Podemos mascarar sentimentos de insegurança e inferioridade fazendo uso desse recurso. A pessoa insegura pode tentar se sobressair às outras por intermédio da presunção. Quando se “carrega nas tintas”, há uma possibilidade de ficar em evidência e se autoafirmar, o que se torna mais interessante do que permanecer no anonimato.  A busca pelo poder também recorre à mentira – utilizada para dominar, para mostrar superioridade e consequentemente subjugar ou explorar os menos espertos ou menos fortes.

A inveja, que se define como o sentimento oriundo do conflito entre o possuir e o não poder possuir, é um campo fértil para a impostura. Instalada, induz a transgressões, traições e insinuações que podem ser traduzidas da seguinte forma: não seja mais bonito, mais rico, mais bem-sucedido, pois terei menos valor que você. É, ainda, um caminho fácil para negar um feito que cause vergonha, podendo reprimi-la temporariamente, mas impossibilitando que o indivíduo se liberte do motivo que lhe deu causa e se aproxime das pessoas.

As menos reprováveis são as que têm como objetivo poupar outras pessoas de humilhações, mágoas ou constrangimentos. Comunicar acontecimentos desagradáveis, preservar segredos, evitar ofensas ou escândalos são resultados de motivação extremamente humana, portanto perdoáveis.

O ato de mentir está intimamente ligado às necessidades do ego. Dificilmente descrevemos os acontecimentos da forma como ocorreram, mas de acordo com a maneira como avaliamos, num contexto em que tal análise encontra-se relacionada às percepções e às necessidades de cada um. Não existe propriamente uma verdade objetiva, mas verdades “projetivas”. O que encontramos depende daquilo que estamos procurando.

Dessa forma, fica difícil considerar a verdade como uma mera questão de valor moral, a qual deve ser dita sempre e a qualquer custo. A verdade deve ser apresentada de forma que favoreça o seu acolhimento, pois de nada vale uma verdade pura se, devido ao temor, uma outra pessoa não consiga suportá-la. É fato que se mente por covardia, falta de firmeza na defesa das próprias convicções, mas quantas vezes a verdade é dita por falta de delicadeza, de imaginação, de tato ou de afeto?

A sinceridade deve estar a serviço de uma atitude interior definida, de um compromisso da pessoa consigo mesma e com os outros, não significando que se deva dizer tudo sempre e de forma espontaneamente irrefletida e grosseira. Tomemo-la em sua mais ancestral acepção – do latim “sin” = sem, “cerus” = cera, aí refletindo aquele móvel ou escultura de madeira da antiguidade romana, cujas imperfeições não foram mascaradas com cera. Pode ser comparada à sagacidade e à capacidade de compreender os sentimentos dos outros, o que só é possível quando se admite as próprias hesitações, ignorância, insuficiência e decepções.

A busca pelo verdadeiro self, por intermédio do autoconhecimento, auxilia a compreensão sobre as necessidades do ego que favorecem as inúmeras interpretações e desencontros entre a mentira e a verdade, reforçando o egoísmo e nos distanciando cada vez mais de nós mesmos e de outras pessoas.

Suporte bibliográfico:
Da impossibilidade de viver sem mentir – Irmtraud Tarr Krüger ( 1997).


Psicóloga: Ana Virgínia de Almeida Queiroz / CRP: 01-7250

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